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segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O velho que acordou menino

Ler Rubem Alves é uma alegria, já li tanto que tenho impressão de que são textos de alguém tão próximo.... Sei do que gosta, em que acredita, conheço seus questionamentos, suas lembranças, sua história mais do que qualquer parente Avancini por exemplo... ou daqueles que chamo de amigos... kkkk (Peguei pesado... mas é verdade)

O Velho que acordou menino é um livro que vai falar sobre memórias de um passado que não passou -  dos lugares em que viveu,  das histórias que ouviu, do que pensou.

É preciso ser "velho" para ter lembranças, só aquele que carrega certa velhice, seja ela aos 20, 40, 60 ou mais é que consegue pensar em saudade. Saudade de um amor da adolescência, de uma brincadeira de criança, de uma jantar em família... Saudade de pequenos momentos, de simples detalhes.... É preciso ter tido uma gama de histórias e sentimentos para poder recordar.
O título do livro sugere esse mergulho no passado, naquele tempo marcante que ficou registrado e é parte de quem somos hoje e de quem seremos amanhã.
A sensação de que temos ao ler é de ouvir uma boa conversa, em que conseguimos, ao mesmo tempo em que nos atentamos à história, pensar naquela que carregamos... Se tivéssemos a oportunidade, parece que haveria brecha, entre um capítulo e outro, para contarmos.... Lembro também, quando era criança que.... 

A imagem de um balanço na capa, conforme afirma Rubem Alves,é de um brinquedo que permite que aquele que se senta volte a ser criança (menino), o qual não combina, de forma alguma, com tristeza. 


Seleção de Trechos...

"Memória é onde se guardam as coisas do passado."



"As memórias com vida própria não ficam quietas dentro de uma caixa. São como pássaros em voo. Moram em nós, mas não nos pertencem. O seu aparecimento é sempre uma surpresa."

"Alma é o nome do lugar onde se encontram esses pedaços perdidos de nós mesmos."

"A alma é movida à saudade. A alma não tem o menor interesse no futuro. A saudade é uma coisa que fica andando pelo tempo passado à procura dos pedaços de nós mesmos que se perderam."

"Não aconteceu nunca para que aconteça sempre. O corpo se alimenta do que não existe. Temos saudade do que nunca aconteceu."

"A saudade mistura tudo. A saudade não conhece o tempo. Não sabe o que é antes nem depois. Tudo é presente. A lembrança pura não tem data."

"Houve esta vida ou inventei? Se essa vida não houve, agora, porque escrevi, está havendo..."  

"O tempo estava cheio de horas em que nada acontecia, aquelas horas em que se vê o mundo melhor."


"Vi uma pedra no chão, pedra comum, sem nada de especial e pensei que ela estava lá há milhões de anos, contemplando o vale. Peguei os milhões de anos nas mãos e o vale que ela tinha dentro... Aí fiz uma maldade: tirei-a da sua casa e trouxe-a para o meu escritório. Quando olho para ela lembro-me da serra e do vale..."



"Agora eu sei: antigamente é um tempo que se foi, mas que se recusa a ir de vez e fica dentro da gente, atormentando o coração com saudade."



"Tudo é rio. Tudo passa sem parar. Não se pode entrar no mesmo rio duas vezes."


Amor sem fim



"Foi um amor sem fim. Namoraram, ficaram noivos. Às tardes ele ia fielmente à casa dela. Assentavam-se nas cadeiras de vime colocadas na calçada e conversavam. Faziam planos para o futuro como fazem todos os noivos. Enquanto isso ela bordava o enxoval. O tempo passou. A canastra do enxoval ficou cheia. E assim continuaram, fazendo planos para o futuro e cuidando do enxoval, até que ficaram velhinhos. Aí deixaram de fazer planos para o futuro e passaram a confidenciar memórias do passado. Nunca brigaram. Nunca pensaram em se separar. Foram felizes até que a morte os separou."


"Casas velhas são como os velhos, têm alma, ficam doentes, pedem para ser cuidadas, estão misturadas com o corpo daqueles que viveram nelas."

"A infelicidade começa com a comparação."

"Criança não tem esperança. Não precisa. Se alegra no presente. Criança está fora do tempo. Mora na eternidade."

"Quando se sabe pouco se imagina muito."

"Essa pobreza é trágica. Acho que é porque o pobre que sempre foi pobre não tem vergonha da sua pobreza. Mas o pobre que já foi rico é um homem humilhado."

"No lugar onde se diz 'até que a morte os separe' que se diga 'até que a casa os separe'."

"É como no teatro: o que acontece no palco nada tem a ver com o que está acontecendo nos bastidores. Nos bastidores não há regras."


"Por que não jogamos fora objetos que nunca mais usaremos? Talvez porque os amamos. As crianças não continuam a ter ternura por um ursinho velho? Os objetos abandonados são 'partes arrancadas de nós'. Talvez não os joguemos fora por medo de estar jogando fora um pedaço de nós mesmos.... Como se disséssemos aos objetos abandonados: 'Nós continuamos a amá-los'."


"Nós, seres humanos, perdemos a confiança dos pássaros"

Bachelard

"Um presépio verdadeiro tem de ser infantil. E as figuras mais desproporcionais nessa cena tranquila éramos nós mesmos. Porque, se construímos o presépio, era porque nós mesmos gostaríamos de estar dentro dele. Éramos adoradores do Menino, juntamente com os bichos, as estrelas, os reis e os pastores."


"Agosto, mês de ipê amarelo, mês de céu azul, mês de vento, mês de papagaio."


"A conversa era só uma desculpa para estar juntos. A conversa era uma continuação das mãos."




E vamos descansar um pouco
para darmos conta desse restinho
de ano... e de muitas leituras!



2 comentários:

  1. Passei a amar a leitura depois que pela primeira vez li duas obras de Rubens Alves, achava impossível, digo nem achava, quando estou debruçado nos livros deste autor parece que estou falando de mim mesmo, coisa boa.

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    1. O primeiro que li foi "Concerto para corpo e alma" e me encantei. Também tenho essa sensação. Que bom dividir essa paixão. Obrigada pelo comentário.

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