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sábado, 27 de junho de 2020

O Construtor de Pontes - Markus Zusak

O Construtor de Pontes foi indicação de um grande amigo e companheiro de trabalho, Marcelo, o qual me disse que havia tempo que não tinha lido um livro tão bom, e que não era qualquer pessoa que merecia uma leitura desse nível. Atrevi a me presentear e comecei a ler pouco antes da tal quarentena devido à pandemia do coronavírus. (Dá até medo de escrever esse nome, porque de invisível me parece uma ameaça real e palpável).



Então, em casa, enquanto tomo Sol no meu quintal, entrego-me à essa leitura que, realmente, é diferenciada. Gosto da linguagem usada pelo escritor, a forma com que se expressa, que cria imagens, é sensacional, diferente de tudo. E as idas e vindas da história que se cruzam, fecham-se e nos entregam um retalho a ser costurado mais a frente... é de uma maestria! 



À princípio, confesso que não estava entendendo muita coisa. Aquelas crianças que eu nem sabia ao certo se eram crianças, os nomes dos bichos.... Histórias paralelas, o assassino. Foi quando terminei a parte 1 que alguma coisa passou a fazer sentido. Na parte dois, podemos compreender melhor e ao chegar na página 80 chorei mais de dez lágrimas.



Sem dúvida, um livro intenso e intrigante, que nos mantém enrolado naquele enredo, tentando encontrar os fios condutores de cada história, de cada personagem.

O capítulo - A ponte de Clay - explica o título do livro dado em inglês - bridge of clay, página 117. Gosto de sempre há um indício do título, um lugar de maior explicação e ligação com o todo. E aqui está.

A ponte de argila, a ponte de Clay. (duplo sentido)
A ponte é bem mais do que uma construção material, mas um elo familiar. Ao construí-la, Clay também constrói novamente essa ligação com o pai - o qual é a base da família Dunbar.  E, depois de construída, o menino está preparado para a grande travessia. 
Quanto mais são estabelecidas as ligações do texto, mais admiro a genialidade da obra e seu significado.


Há tantos trechos que considero intensos, como o fim do relacionamento de Michael  e Abbey... páginas 169/170, entre outros que nos faz sofrer junto deles. Lidar com perdas não é uma tarefa nada fácil, seja ela como for.


"- Talvez nós não sejamos... uma boa combinação, ao contrário do que acreditávamos.

- Mas eu te... (...) tanto.

- Eu também., mas talvez não seja o bastante."

O que me encanta muito nessa história é que aqueles meninos  que são moleques em tantas situações, valorizam a cultura, têm gosto pela leitura de clássicos principalmente.  A maior herança da mãe - que deixou Mozart e Beethoven, o grande legado do pai com Michelangelo. Os nomes dos bichos de estimação relacionado a grandes obras nos mostra que a cultura está absorvida e que, independente da situação, todos podem ter acesso a ela, desde que tenham exemplos a serem seguidos.


"Os livros, sabíamos bem, eram sagrados."


Outra característica dessa narrativa fragmentada são os indícios deixados para que o leitor os guarde e aguarde o significado, a ligação com o todo. 
Um ponto muito marcante foi o pregador que passa boa parte do livro no bolso de Clay e ele o segura firmemente. Deixou-me bastante intrigada o tal do pregador... e segurei firme com Clay até a revelação inesperada para mim. Gostei, era como se o pregador permitisse estar junto de alguma forma, estar na presença. Sem mais detalhes para não dar spoiler.


Em resumo, trata-se de um livro que foi escrito em 13 anos pelo mesmo  autor de "A menina que roubava livros", Markus Zusak, o qual merece, sem dúvidas, um leitor que acompanhe essa obra com dedicação e admiração. Não é uma leitura despretensiosa, mas que exige, acima de tudo, olhos e ouvidos atentos. 


SELEÇÃO DE TRECHOS...

"(...) quem tinha que ir foi e quem tinha que ficar ficou."

"Escrever é sempre difícil, mas fica mais fácil quando se tem algo a dizer."

"O calor era tão constante, tão palpável, que dava para carregá-lo nos braços." (E dessas imagens, desse uso da linguagem que me encanta)


"Bons cemitérios dão bons vizinhos."

"Ela sorriu daquele seu jeito intrigante de quem encara tudo de frente."

"Embora a maioria das pessoas visse o lugar apenas como mais um cenário de abandono urbano, para ele era recordação, memória."

"Não devemos brigar quando alguém está de partida."


"Foi o que melhor amei, o que mais amei."


"Ele tinha uma colação de lugares sagrados."

(Gostei. Quais são os seus?)



"(...) éramos diferentes versões da mesma coisa."

"(...) havia razões para partir, e razões para ficar, e eram basicamente as mesmas. Ele estava preso em um ponto no meio do processo - de destruir tudo que tinha para se tornar o que precisava ser."

"(...) vez ou outra uma semana vinha lembrar que o verão se aproximava."

"-Não faz isso. Não vai, não me deixa... mas vai."
(...) Ela fez questão de deixar claro o tamanho da saudade que sentiria dele, mas que também esperava - na verdade, exigia - que ele fosse fazer o que tinha que ser feito."

"Os anos chegavam e partiam."

"Era seu Everest diário."

"Queria poder levar crédito pela frase.
Tudo que ele construiu na vida era feito não apenas de bronze ou de mármore ou de tinta, mas dele... e de tudo que havia dentro dele."

"Dizem que quem brinca com fogo acaba se queimando, mas quero te dar o isqueiro de presente mesmo assim, ainda que seja só para dar sorte e para que tenha algo que o faça se lembrar de mim."

"Me desculpe pelo estado da caixa, mas algo me diz que você vai gostar dela mesmo assim. Pode usá-la para guardar algumas coisas preciosas. Mal não vai fazer. Coloque mais coisas aí e não só um pregador."

"Essa ponte vai se de você."

"Há outra forma de existir."

"É curioso pensar que, um dia, eu acabaria me casando com aquele homem."
(Com relação a quem vou pensar isso?!)

"Mulas não mudam de opinião com muita facilidade."


"O dourado nos olhos dela, um adeus para ele."

"Riram, quase sem motivo - talvez fosse só felicidade."

"A cidade estava besuntada de sol."

"Mesmo na folha de papel, ela parecia prestes a falar."

"Nunca se esqueça de onde veio (...) Ou do que você é."

"O mundo lá fora era grande demais, e as possibilidades, infinitas."

"Talvez nós não sejamos... uma boa combinação, ao contrário  do que acreditávamos."

"De muitas maneiras, acho que é verdade o que dizem: até os momentos ruins são cheios de bons momentos."

"(...) a única coisa que ficou pendurada nas vigas do teto foram fiapos de tristeza. Balançaram e oscilaram como teias de aranha, tão frágeis e, ao que parecia, sem peso algum."
Que imagem! Como é rico na expressão de um sentimento como tristeza, palpável até.

"Essa ponte vai ser feita de você."

"(...) e o que mais importa é que você tenha, construa, e que aproveite enquanto puder."

"É curioso ver como se desenrolam as confissões:
Admitimos quase tudo, e é o quase que conta."

"(...) seu maior medo não era ser deixado novamente, mas condenar alguém a ser o segundo melhor, a ficar em uma posição inferior."

"Mas lá estavam, seguindo em frente, dando o melhor de si rumo a uma linha de chegada. Esperaram a contagem regressiva, feito esquiadores no topo da montanha, e pressionaram a tecla na hora do já. O resto é história."
(Sensacional a forma que constrói as imagens, como diz as coisas mais simples de uma forma tão rica.)

"O tempo reduzido a momentos."

"(...) saíram de lá puxando pela mão a felicidade indomável e levando-na para a vida."

"Já sei por que você gosta tanto desse  livro. Ele fez tantas coisas extraordinárias. Torço para que você faça algo extraordinário por aí também. Você vai. Tem que fazer. Você vai."

"(...) não há palavras bonitas para descrever o que se passou, porque ali não havia beleza nenhuma."

"E as coisas começaram a começar."

"Há quem celebre as coisas com champanhe, ou com uma noite fora em algum lugar bacana, mas ela recostou a cabeça no ombro dele e releu a carta."
(Sobre simplicidade)

"(Ele) era como um mercadinho de bairro:
Podia ser pequeno, mas quem cruzasse seu caminho pagaria caro."

"No passado, não tínhamos como saber. Um novo mundo estava por vir."

"Ela era uma de nós"

"Quando um rapaz começa a deixar certas coisas para trás, geralmente é porque tem garota na jogada."

"É bem curioso o que acontece depois de um velório. 
Para todo lado há corpos, há feridos."

"Eles construíram dias que logo se transformaram em semanas, e semanas que se transformaram em meses."

"Fiquei cativado pelo calor do olhar dela.
Ela parecia a primeira xícara de café pela manhã."

"(...) vestia um mar de suor, uma mancha de respeito ao redor da gola da camisa." (É disso que eu falo: a imagem construída!)

"Às vezes, eu como torrada só para escrever o seu nome nas migalhas." (Fofo. Alguém faria isso pensando em mim?)

"Ele era um caminhão tendo que subir uma ladeira com uma roda a menos."

"Os jornais não falaram do sol no primeiro dia em que eles conversaram - tão próximo e tão imenso ao lado dela. Ou da luz dourada nos braços dela. Não mencionaram o som dos passos dela quando ia até as Cercanias, a forma como ela farfalhava ao se aproximar. Não mencionaram 'O marmoreiro', o livro que ela vivia pegando emprestado. Ou como ela amava o nariz quebrado dele. Mas quem precisa dos jornais, afinal?"

(Sobre o que não é registrado, a história que escapa aos fatos)



"Se tem uma coisa que aprendi, no entanto, é que se a vida continua em movimento após o fim de nossas histórias, ela ganha tração muito antes delas."

"Ele sabia melhor que todo mundo ali; certas coisas nunca passam."

"Não se devia confundir paciência com moleza, ou proteção com protelação."

"Ela agia como se conhecê-lo fosse uma espécie de privilégio - e estava certa; fico feliz por ela ter feito isso."

"As vitórias eram virtuosas, veneradas. As derrotas viravam aprendizado."

"Houve um tempo em que foi fácil ser Carey e Clay, que viviam juntos e estabeleceram uma relação de parceria."

"Um sorriso que lembrava o mar."

"Não vou dizer que você deveria seguir em frente como ela gostaria que você fizesse, mas talvez você deva fazer o que tem que ser feito. Só acho que, de uma forma ou de outra, sua vida continua."


(...) e os eucaliptos continuavam os mesmo. Estavam reunidos, esperando ali, na sombra, feito uma seleção de jogadores de coxas musculosas. Um time de árvores."


"Quando se vê uma pessoa morrer, não é só a morte dela que você testemunha."

"Àquela altura, já tinham se transformado em homens diferentes - do tipo que constroem pontes, e não do que são devastados por tragédias."

"Suas mãos eram a única prova de seu trabalho e de sua dedicação."

"A história vinha se compondo havia anos."

"Só sei que já perdi a conta:
De quanto tempo faz.
Há quantas noites estou sentado aqui, nesta cozinha que presenciou todas as nossas vidas?"

"Os bichinhos de estimação viveram para sempre, é claro - pelo menos até o instante em que morreram."

"Quando você espera, começa a se sentir merecedor."

"Um garoto Dunbar pode fazer muitas coisas, mas deve sempre voltar para casa."


Até a próxima postagem.
Há dois meses seguimos em casa.
Pouca coisa mudou até aqui com relação
aos fatos. Enquanto isso, vamos tentando nos 
tornar pessoas melhores, analisando fatos e pessoas,
observando com olhos que sentem...
Esse tempo me fez pensar em tanta coisa... 
dentre elas que eu deveria escrever um texto 
sobre o momento presente, mesmo que seja só para mim.
A escola retomou suas atividades virtualmente,
um aprendizado para todos os lados, em todos os campos.
Um tempo que nos obriga a ser mais humanos
e usarmos as ferramentas que temos em favor da educação,
e que tem me surpreendido.