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quinta-feira, 30 de julho de 2020

O voo do Hipopótamo

Tive curiosidade de ler esse livro não pelo título, obviamente, mas por ter conhecido o primeiro capítulo em um didático de Português.
Na primeira vez, apresentei o capítulo e pedi para que os alunos fizessem a continuação, surpreendendo-me com as produções, uma vez que o capítulo termina com um suspense.

Conta a história de Túlio, um adolescente que mora ao lado do cemitério e morre de medo só de pensar nesse universo fúnebre. E um dia, ao passar pelo portão, ele escutou um violino.

A partir desse ponto, era proposta uma criação. Sempre comentava com os alunos, que adoravam a história, sobre o título do livro que não despertava qualquer interesse - O voo do hipopótamo - e sobre o preço do livro que, quando pesquisado, não era muito barato. Então resolvi ficar apenas com a curiosidade que era despertada a cada ano ao reler o mesmo capítulo "Os Vizinhos".

Quem toca violino no cemitério é Virgília, uma adolescente diferente daquelas com as quais Túlio convivia. Uma menina que tinha sua forma de vestir, que tocava um instrumento incomum e que lia um livro na íntegra. Isso mostra que uma identidade própria, inteligência e cultura chamam atenção até de um menino acostumado a jogar vôlei com a molecada.

O título do livro faz referência a um capítulo que mistura lucidez e loucura, em que Brás Cubas está prestes a morrer e delira. O momento é bem retratado também no filme.

O livro chegou até mim em forma de presente, no ano passado, no dia da formatura, quando fui paraninfa do 9° ano C. Foi uma grande surpresa. Para aqueles que amam, ganhar um livro é o maior presente e, vindo de meus alunos, ganhou um significado ainda maior.

O que posso dizer do livro é que me parece um excelente exemplar para ser lido em sala de aula. E só descobri isso por meio de uma aluna que teve essa grande ideia: Tallita...tão querida! Ela dividia essa paixão pelos livros, vivia as histórias que líamos em sala, uma artista do teatro, uma fã de poesias... Uma aluna que toda professora de Português gostaria de ter em sua sala e tão rara ultimamente. Obrigada! Foi um prazer ter sido sua professora.

Voltando ao enredo, o protagonista tem que ler Memórias Póstumas de Brás Cubas para a prova do colégio e apresenta interesse ao ler o livro na íntegra e não apenas resumos, como a maioria de seus colegas. Isso porque conheceu Virgília, uma aluna nova  tão diferente das meninas com as quais convivia e por isso tão interessante. (Sou obrigada a concordar...)


Conhecemos melhor a história de Machado de Assis, ao passo que descobrimos a de Virgília. As duas obras dialogam de forma bastante agradável, envolvendo o leitor.

O senhor Quincas é o grande responsável pela análise crítica da obra ao acompanhar a leitura dos adolescentes. É uma bela forma de conhecer o clássico. E aproveito para indicar também o filme, que é muito fiel ao livro e aos trechos abordados também em "O voo do hipopótamo".
Costumo trabalhar com as turmas de 9° ano e acho bastante enriquecedor. E acreditem: eles adoram!

SELEÇÃO DE TRECHOS...

"Memórias póstumas é uma obra muito diferente de tudo. Original e única. E Machado também não é só realista. Ele é um gênio! Gênio não tem classificação."


"(...) Romance nenhum pode contar tudo, nem de uma história, nem de um personagem."

"Um coveiro sempre tem onde cair morto."

"Alguém precisa, na hora em que as famílias e os amigos mais estão sofrendo a perda, cuidar de quem parte. E, depois, alguém precisa zelar pelo bom estado de suas sepulturas, respeitosamente."


"(...) Restavam os ossos, que não emagrecem nunca."
(M.P. B. C)

"(...) Hipocrisia (...) é um vício hediondo. Mas, na morte, que diferença! Que desabafo! Que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso as lantejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser! Porque, em suma, já não há vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos; não há plateia."
(M.P. B. C)


"Talvez cinco beijos; mas dez que fossem não queria dizer coisa nenhuma (...)"

"Talvez fique apenas naquela cena do enterro do Brás Cubas, em que Virgília repete para si mesma: 'Morto, morto!' Lembra-se? Era como se ela tentasse se convencer de que, agora, não havia mais jeito, e que eles, se haviam se amado, de certo modo desperdiçaram a chance da felicidade de viverem juntos."

"A gente é que estraga o que tem na vida."

"É que eu só faço as coisas que tenho vontade, sem ficar pensando se é o que todo mundo faz. O mundo é tão cheio de coisas pra gente experimentar..."


"Tudo que eu faço hoje é para ver quem eu quero ser."

"(...) só as grandes paixões são capazes de grandes ações, e ele não a amava tanto que pudesse ir buscá-la, se ela estivesse longe."
(M.P.B.C.)


"(...) o maior defeito do livro és tu, leitor."
(M.P.B.C.)

"Talvez se amem, quem sabe? Do jeito deles, é possível que se amem. Mas estariam dispostos a enfrentar a condenação do mundo que prezam tanto? Daí, a farsa. O senão."

"A gente vive desistindo do que é importante na nossa vida por coisas que outras pessoas achariam... besteiras. Não é?"

"Tem gente que diz que Machado de Assis é o mais cruel dos escritores. Porque realmente sabe destruir um personagem. Outros dizem o contrário: que é um escritor com uma capacidade sem limites de amar seus personagens, amá-los gratuitamente, mesmo que eles não o mereçam, mas porque... talvez sejam suas crias!"

"Os personagens são mais para o patético, eles nos causam compaixão. Ao mesmo tempo, constrangimento. Porque reconhecemos a humanidade deles, algo que os torna nossos semelhantes, no seu ridículo!"


"-Às vezes, mesmo a gente se gostando, a separação acontece.
(...)
- Principalmente quando a gente deixa acontecer. São as 'molas da vida'. Quando as deixamos soltas, não tem perdão. E justamente as coisas mais preciosas são aquelas que podem acabar. Que não são finitas. Que um dia, uma hora, se vão. É o que as torna preciosas enquanto as temos, inestimáveis! É por isso que temos de zelar pelo que a vida nos oferece de bom!"

"(...) ele tinha essa necessidade de abrir o livro, como a gente geralmente quer se ver num espelho, depressa, depois de passar por um corte de cabelo, para checar o que mudou. Ele chegou a pensar nisso, que o livro, aberto, era como um espelho. Só que estava embaçado."

"Num momento de simpatia"
(Gosto de pensar que pode ser uma legenda de foto)

"O vício é muitas vezes o estrume da virtude."
(M.P.B.C.)

"Onde está a pena da galhofa, está também a tinta da melancolia..."
(M.P.B.C.)


"(...) saiu da vida às escondidas, tal qual entrara."
(M.P.B.C.)

"Cada estação da vida é uma edição que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes."
(M.P.B.C.)

"Há coisas que se não podem reaver integralmente."

"(...) a elite abastada daquele tempo. Uma elite que cultivava o ócio e desprezava quem tinha de ganhar a vida dando duro. Que poderia até construir um país melhor, mais grandioso, mas que não teve nem talento, nem preparo, nem imaginação, nem muito menos vontade de trabalhar para isso. Agora veja nosso Brás Cubas, um legítimo filho dessa elite. Mesmo tempo todas essas limitações de caráter, Brás Cubas é dono. É o dono nessa história. Ele recebe dado, de mão beijada, o direito de narrá-la."

"Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria."
(M.P.B.C.)

"Não sabia que o que a gente perde, e sabe que perdeu porque deixou perder, dói tanto... Que a gente pode chegar ao fim da vida e dizer que o que fez no mundo foi não fazer coisa nenhum, mas... Mas, de repente... de repente... acontece. Coisas assim acontecem! De repente a gente vai ver e tanto deixou se perder que sobrou um... Das negativas. E só!"

"E a plateia aplaudiu, porque nessa hora do beijo sempre dá uma vontade na gente de bater palmas."

Até a próxima postagem. 
Ainda seguimos na versão eu de cá.
Metade do ano já se passou e ainda
consigo ver 2020 como um presente.
A pandemia tem nos dado tantas lições,
além de tarefas que envolvem reflexões e mudanças.
Lembre-se de que, quando uma porta se fecha,
uma janela se abre.
Aproveite a nova vista e veja quão bela ela é.