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domingo, 19 de abril de 2020

Diálogos de olhos - Saulo Pessato

É com muito prazer que apresento o novo livro de quem sou fã desde quando li as primeiras poesias na escada do prédio da faculdade de Letras (PUCC) no centro de Campinas. Boas lembranças...


Dessa vez, ele vem com um novo formato: crônicas- porém há um quê de poesia, o cuidado especial com a linguagem, a escolha das palavras... Trata-se de seu terceiro filho, tão especial quanto os outros dois e se mostra nesse exemplar um cronista de gabarito, assim como é um poeta completo em seus versos. Como afirmou Graciléia Capponi Moraes:

"Saulo é, sem dúvidas, um poeta. Por isso, todas as situações que se apresentam neste livro de crônicas foram filtradas pelo olhar de poeta que lhe é inerente."


Em 2005, eu me atrevi a escrever uns versos de uma poesia chamada EUDESconheço que fala um pouco da imagem que carrego dele. O título faz referência a um dos sobrenomes de Saulo.


Seu nascimento fora sua primeira poesia.
O crescer o fez poeta,
O tempo o transformou em escritor.
Antes de rimar palavras,
Rimou a vida.
Não sei se conheci a obra,
Ou apenas um poema.

Tão superficial, e tão profundo!



Foi no final de Janeiro, como meu presente para encerrar as férias, que fui para Campinas de carro com minha mãe buscar o meu exemplar. Precisei lidar com o Google Maps, os semáforos, o tempo que fechava, e tantas memórias do centro da cidade, da rua em que morava, da faculdade, dos prédios onde vivi... Valeu cada segundo, e faltaram tantos outros... Queria ter levado meu olhar passear com mais calma...
              Saudoso Fragata ao fundo   

       Alice Cristina de tantas histórias

O prédio onde funcionava a faculdade de Letras

Acredito que não teria um título melhor para um livro de Crônicas como "Diálogos de olhos", pois esse gênero textual, em especial, parte de um olhar diferenciado, apurado, e, neste livro, um olhar repleto de poesia acerca da realidade. 

A última crônica, que carrega o nome do livro, achei triste e tão real, porque muitas vezes tudo não passa de um diálogo de olhos, e independente da situação, ele pode ocorrer e ser compreendido sem qualquer palavra.

"Mais uma vez, meu olhar cruzou com o seu e eu tive aquela sensação de que seus olhos têm durado mais do que o normal nos meus."

"Não cabem muitas  palavras nesses olhares-fração-de-segundo."


Vi minha dedicatória sendo feita na hora, porém deixei para ler somente quando cheguei em casa, para que ficasse gravada e fixada ali como algo meu, uma marca nossa desses diálogos de olhos.
Já perdi a conta de quantas vezes li e reli, como se fosse uma prova de que existimos de verdade...

A minha preferida, sem dúvidas, é "Um passeio de Harley-Davidson na caixa feia da memória", pela intensidade da história, pelo envolvimento e pelo final em grande estilo, surpreendente.

A crônica nos faz sofrer com ele calado no prédio, a ter uma antipatia por Americana, nos faz seguir com ele de moto, abrir a caixa feia da memória e dar um novo rumo a essas memórias, não em tom de vingança, mas de vitória. 
  


Acabei selecionando as crônicas em diversas categorias.

A crônica que amei foi:
- Árvore da felicidade: pela metáfora usada por meio das plantas. Fiquei com vontade de ter uma dessa para refletir sobre a vida sempre que cuidar dela.

Crônicas que julguei como lindas:
- Amizade imaginária: pela imaginação, criatividade e pureza das crianças, pelo final sensacional da crônica que nos revela a identidade de Clara e por poder ver sob a perspectiva de uma criança.

- Gotas no chão: pela imagem da mãe eternizada.

- O inesquecível primeiro-beijo que não dei: porque é tão inocente, e tão mágico, como o amor deve ser em sua essência, em suas primeiras experiências, o amor da sexta-série. A doçura, a alma de criança e tão cedo, um poeta.

- Como gatos no colo: pela intensidade de ser considerada especial e linda para alguém, um evento. 

Crônica surpreendente- categoria uau

-A infância não veste Prada: pela mensagem, pelo valor da amizade, pela grandeza de uma atitude, pelo tom de brincadeira que nos arremessa uma verdade.

Crônicas engraçadas, em que ri:

- Sinais de respeito: pela simplicidade do recém ingressado no serviço militar, por não saber como se referir a uma autoridade e não saber ao certo o que dizer em determinadas situações.

- Palavras erradas da infância: mesada: pelos trocadilhos, essa brincadeira com as palavras que o escritor faz com maestria qualquer que seja o gênero trabalhado.

- Palavras erradas da infância: umbigo: pela descrição tão clara do umbigo de algumas pessoas. Curta e me fez rir toda vez que li.

- Eu simplesmente esqueci: porque...

Entre outras, o que me permite concluir o bom humor do cronista.
- O bem de Iemanjá
- O fabuloso dia em que me caguei
- Fim do mundo cotidiano
- No idioma do caos
- Como uma boneca
- Defeito nato

Há ainda mais duas categorias:

Crônicas tristes, com uma considerável lista.

- Mateus calado
- Continuidade dos aplicativos

-Súbito
- Um médico
- Diálogo de olhos

Crônicas em que pensei: É VERDADE.

- Palavras erradas da infância: escorregadio
- A metáfora das pernas adequadas










- Amor felino

Vale a pena ler o livro, conferir essa nova versão de Saulo Pessato. Tenho certeza de que minha visão de fã da pessoa e do escritor não atrapalham o julgamento dessa obra, só enaltecem o que sempre soube... 

SELEÇÃO DE TRECHOS...

"Tivera um dia tristonho, houve partidas e adeuses. (...) Arranhou a folha branca e, por mais que ali escrevesse, não traduzia com letras, palavras ou tinta o que o coração transbordava."

"Tivera um dia enfermo, ausente de força, vida. Como outras vezes o fez, o poeta curvou-se em preces e, de joelhos colados ao solo, suplicou salvação. Entrementes, tomado de pena como que benta, batizou a folha branca com louvor, fé e orações."

"Então, aprendi que a Felicidade precisa de espaço.
(...)
Então, aprendi que a Felicidade é frágil e depende muito de nós.
(...) 
Então, aprendi que a Felicidade demanda total atenção e precisa sempre estar leve.
(...)
Então, aprendi que a Felicidade, para viver bem, deve ser compartilhada."

"Pudéssemos dar às crianças o direito de mudar seu substantivo comum, certamente iriam querer se chamar brincança."


"Criança é cria passiva, mas é também criatividade. Criança é criativa, não apenas criação."


"Eu criava, dessa forma, as minhas próprias personagens de videogame no melhor gráfico que a vida podia me oferecer, a realidade, em desafios e cenários cada sia maiores e mais interessantes. E o melhor de tudo isso é que o protagonista era eu."


"Ser criança é descobrir lambanças e levar esfrega da mãe de vez em quando.

(...) Ser adulto é descobrir lembranças e sentir saudade da mãe. Sempre."

"(...) tanto tempo havia passado sem ela comigo ao lado, mas comigo para sempre."


"(...) haverá sempre alguém com os olhos e dedos da sétima série."


"Você tem que escolher: ou ela ou eu.

(...) Fico com quem jamais me faria escolher entre duas amigas."

"Eu entendo você. (...) Discordo, mas entendo. E meu choro não é drama, não. É decepção."


"É a própria vida quem prepara dessas ironias que nos permite, se tivermos um olhar aguçado para reconhecer sua magia, acessar esses momentos difíceis e, ainda que não possamos reescrevê-los, ressignificá-los."


"A fotografia tem esse poder: registrar um momento exterior tão contrário ao interior."


"Tudo acontece pelo aplicativo, mas a vida não. A vida acontece fora.


(...) e não existe história absurda quando é muito bem explicada."


"Ela é daquelas amigas de infância que a gente conhece depois dos trinta."


"(...) se o terror une a todos, turistas e cidadãos, no idioma do caos, certamente o riso também possui esse poder."


"Chuva forte com moleque era sempre alegre e barulhenta, não tinha só som de água caindo e passando: tinha risada, gritaria e palavrão sobre objetos fugidios na enxurrada. Vez em quando passava uma criança gargalhada na enxurrada. Criança fugidia.

Chuva  forte, hoje, é seca vista da janela. A enxurrada é solitária, cheia só de água - e só leva o que encontra, porventura, pelo caminho; não leva as coisas chatas e sem importância da vida adulta. Ah! Como seria bom jogar na enxurrada e ver a água levar embora, com força, toda tristeza e solidão."

"-Uma mulher deslumbrante.

O olhar de uma criança é despido de qualquer preconceito. Veste-se puramente do que vê."

"(...) a felicidade é fruto de um estado de paz consigo, plantado e alcançado no seio familiar."


"(..) que saudade pérfida é essa a causada pela morte! Uma saudade mesquinha, que não se mata, ao contrário de quase todas as outras saudades como a de amor, romântica, por vezes até gostosa, inflamadora das paixões; a saudade de casa ou mesmo a saudade da infância que também não volta, mas reside no curso natural da vida: tê-la vivido para poder se lembrar. Mas, a da morte não. A morte é uma luz que se apaga definitivamente em nossa existência, especialmente porque as pessoas se vão de súbito e sem se despedir. É uma luz que nunca mais se acenderá."


"(...) é colossal a impotência humana diante dos caminhos escolhidos, diante da morte, diante do tempo."


"Trocávamos muitos bilhetes e olhares diariamente, pois naquela época não existia celular e as paixões vinham com caligrafia e brilho pessoais. E como ela me olhava e me escrevia lindo!"


"(...) talvez não estivesse pronto para deixar de ser criança. Só sei que lhe respondi que, com aquele sorriso, ela já me dava tudo que eu precisava. E saí. Acho que eu estava pronto era para ser poeta."


"Sexo pode ser só a cereja do bolo, mas, amizade, intimidade e carinho são conexões humanas."

"Porque um sorriso sincero, sem sarcasmo ou ironia, é a resposta espontânea mais pura a algo bom.

Sorri-se pela beleza, sorri-se pelo talento, sorri-se por amor, sorri-se por admiração...
Ah, se todo mundo entendesse o valor de um sorriso e sorrisse...
O sorriso é um elogio desenhado  no rosto."

"Negar-lhe qualquer coisa seria como expulsar do colo um gato que subiu de livre espontânea vontade. Gatos, geralmente, não sobem espontaneamente no colo: são reservados e independentes; quando sobem, é um evento tão especial no universo, que, por mais que precisemos levantar e sair, não saimos...

Ela era um evento especial no universo."
(Lindo, lindo, lindo!)

"(...) porque certos sorrisos também são palavras."


"Primeiro que nem todos os homens são iguais. Há aqueles que veem nos detalhes as maiores riquezas do mundo e pensam que muitas vezes uma joia não é aquela que o homem pendura no pescoço da mulher e sim a que ele recebe de seus olhos todos os dias. Carinho e atenção são trocas, não tributos. São as provas evidentes de uma união humana, voluntária e feliz. Não têm nada a ver com dependência sentimental. Se não sou casado ainda é porque não encontrei quem me ilumine com  essa sensação. E jamais me casaria sem ter essa chama arder reciprocamente nos olhos."

(Disse tudo.)



"Na hora de eu ir embora, (...) tive a impressão de que seu abraço, pela primeira vez, teve o mesmo prazo do olhar. (...) e para olhares e abraços presentes não existe devolução."

"A  verdade mora na espontaneidade."


"Sim. Eu te amo. E é uma pena ter dito isso sem que você estivesse me olhando nos olhos."



Até a próxima postagem.










Seguimos em isolamento social
por conta da pandemia, ainda na
versão eu de cá e tenho colocado
minhas leituras em dia, meu blog, meu Sol,
minhas tarefas pessoais, além de limpezas,
arrumações, reorganizações, porque a vida é
RENOVAÇÃO! E só pra confessar: 
adoro a ideia de ser dona de casa.
E que não percamos a fé em dias melhores,
a fé no futuro, vibrando sempre positivo
pelo nosso Brasil e pela humanidade!
Juntos somos mais fortes!



















Fique em casa. 
Tudo passa.