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sábado, 14 de fevereiro de 2015

Grito de Carnaval

Escrevo há um dia do Carnaval, porque sinto minha tradição roubada... Pode parecer egoísta da minha parte, sei, como todo mundo, do problema da falta de água, da dengue, da superlotação na cidade com o cancelamento do Carnaval nas cidades vizinhas...

Porém, desde que me conheço por gente, Carnaval para mim é  rua, trio elétrico... Meus pais sempre me levavam e era uma alegria. 


Lembro que existia um bloco que era todo mascarado, vestiam preto, carregavam caixões...e eu chorava. Daí vem meu pavor e trauma de máscara que dura até hoje. É algo que não gosto de forma alguma... Não combinava com Carnaval aquele clima mórbido. 


Mas logo depois, vinha ele - enorme, cheio de luzes... Tinha Rei Momo, moças todas vestidas... Era o Cremasco, sua esposa e suas meninas, que não eram tão meninas... Era festa, era Carnaval. 



Gostava da música alta naqueles quatro dias em que a cidade parava... Ficávamos perto de onde era a Pinus Bar (perto do Boticário hoje) e meu pai me levava atrás do trio, quando chegava naquela altura...
Não tenho foto desse momento, mas é claro em minha memória.

Dessa forma, todo ano nós comparecíamos, com ou sem fantasia... Cheguei até a desfilar... Nossa família sempre gostou de plumas, lantejoulas e muita luz. Era fanfarra da escola, roupa das balizas, brasão, estandarte, comissão de frente....

Meus pais junto de meus avós, quando pequena, produziam as fantasias, que me permitiam ser o que desejasse ou o que eles quisessem quando menina.... No começo, eles decidiam, depois, foram as festas à fantasia em que eu pensava com eles, e todos ajudavam na produção... boneca, gueixa, she-ha, cigana, mulher-gato... Isso sem contar quando me ajudavam a produzir algo para a escola, quando me tornei professora: máscara de ratinho, roupas para a folia de reis... E eles entravam sempre na farra...  colocavam chapéu, roupa, máscara... e sempre foi a maior diversão.





Com o passar do tempo, foi surgindo um grupo de amigos, amigas, namorados e fomos dominando a rua, ficando até mais tarde, dançando até no trio elétrico, descendo até o chão na brincadeira e na sensualidade... Mas meus pais sempre por perto... Nunca foram motivo de vergonha para mim, mas sempre companhia, segurança... E eles também se divertiam, dançavam, riam...



Quando comecei a brindar algumas doses de álcool, meu pai sempre experimentava para ver se estava forte e ficava de olho... Minha mãe nunca gostou...


Fomos juntos até o último Carnaval de meu pai aqui, quando ele tinha dificuldade para andar devido à falta de ar... Brincávamos que ele tinha que sair mais cedo para chegar há tempo... Mas íamos com ele, seguíamos o mesmo ritmo, sempre levando na brincadeira... e chegávamos a tempo de ver o trio subir e acompanhá-lo. 


Mesmo quando ele tinha que fazer hemodiálise, dormia à tarde e à noite estávamos lá... Até na terça-feira, quando a rua esvaziava, eu achava que não desceria, meus pais estavam prontos para o último dia de folia...


Meu pai falava que dava para sentir o trio elétrico, que batia forte no coração dele... Chegou um tempo que ele dizia que era alto demais, e eu brincava dizendo que ele estava ficando velho, porque sempre gostara....




Desde pequena este é o primeiro ano sem trio-elétrico... e sinto uma tristeza... É como se tirassem o protagonista de uma história, ficamos com o plano de fundo de confete e serpentina que praticamente nem existem mais... Como Natal sem Papai Noel, Páscoa sem coelhinho....

A gente subia na rua para ver o trio, ou escolas de samba que sempre foram uma paixão... É um ritmo que toca dentro... e sempre arriscamos um samba no pé até suar e arder a panturrilha... kkkk


Há algum tempo, Carnaval tem sido minhas primas e amigas, sempre minha mãe, dias de irmão, cunhada e sobrinhas que já caem na farra e há dois anos a saudade do velho Walter que nos deixou... Mas seguimos na rua com a certeza de que ele pula com a gente e também sente a mesma falta. Este vai olhar com estranheza e se perguntar: Cade o trio?Será que cheguei tarde? 


Não, pai, tiraram nosso Carnaval da rua, silenciaram o trio elétrico e vamos ter que fazer nossa diversão de outra forma... Aqui mesmo, como sempre passamos... longe da Bahia, das escolas de samba do Rio e São Paulo, e, de algum modo especial, terá que acontecer nosso Carnaval. Afinal, nós não podemos perder mais essa!

ESSE É MEU GRITO DE CARNAVAL!


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