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domingo, 23 de novembro de 2014

Quem, eu? Uma avó e um neto, convivendo com o Alzheimer

"Nós estamos vivendo mais, e isso é maravilhoso, mas, ao passo que envelhecemos, vamos voltando a ser crianças - no caso da minha avó, uma bem travessa -e os cuidados vão do básico ao infinito."


Foi na Bienal do Livro em São Paulo deste ano (um evento imperdível) que andando em meio a milhares de exemplares, peguei esse. Foi o primeiro que toquei e o escolhi de cara... Não sei explicar exatamente o que me fez optar por ele. Talvez ao ler a sinopse; por ter visto, por trás dos olhos da sorridente senhora, o olhar de minha avó; por se tratar de um relacionamento entre um neto e sua vó que sofria, como a minha sofrera de Alzheimer... Ou talvez por ter sido escolhida por Fernando Aguzzoli para ser, naquele momento, leitora de sua obra. Por que não?!

Tendo essas bagagens como histórias de vida, ler a história de Dona Nilva é conhecer muito de seu desenvolvimento e ter certeza do desfecho.

Portanto, o que torna esse livro especial?
Sem dúvida, a entrega do neto e de seus familiares, dispostos a cuidar da avó com todo carinho; descobrindo meios para solucionar problemas diários... É impressionante acompanhar a grandeza de cada gesto, como um pequeno ato pode fazer a diferença...




Penso que fizemos tudo errado com a Bilia... Mas tínhamos mais problemas envolvidos além do Alzheimer que se manifestava. Cada um sabe o que ocorre nos bastidores da família, e nem sempre tomar certas medidas é simples assim...


Mas, voltando a história, o livro se divide em três partes.
No começo, conhecemos a história da avó, acompanhamos o sofrimento do neto, a entrega, a forma com que abriu mão da própria vida, para viver com ela aqueles momentos únicos, porque não seriam repetidos. Passou de neto a ser uma espécie de pai, sofreu com isso, com toda certeza, mas proporcionou momentos felizes até o fim.


Na segunda parte, já apegados aos protagonistas, há uma série de fotos em que, ao acompanhá-las, vamos ligando cada fato.. como se fôssemos daquela família, recordando daqueles momentos, uma vez que a história fora lida anteriormente.



E por fim, a terceira parte acredito que seja o grande legado... as histórias que ficaram. Depois do sofrimento, da dor da perda, restam os momentos engraçados... Acredito que essa seja a grande "sacada" da vida... encarar com humor, achar o lado bom, dar risada...

E essa parte é composta por histórias divertidas da avó, resultado do esquecimento... Procura uma coisa, que de repente é outra e volta a ser a primeira; gostar de um prato, odiar e nunca ter dito nada sobre...



EU TAMBÉM guardo da minha vó histórias engraçadas, quando perguntava do Massaro, não conhecia o homem de cara redonda (que era meu pai), me deixava pintar as unhas dela da cor que eu quisesse, fazia máscara com farinha de milho e mel... Colocava chapéu, tirava fotos engraçadas,  contava histórias absurdas e morria de rir... Isso sem contar do dia em que matou o porco (era o sofá)... conversava com o Claudinho, que era meu coelho de pelúcia, e assim eu acompanhava minha mãe nas diversas pessoas que nos tornávamos quando ela nos chamava.


Mas também aconteceram momentos difíceis: quando não dormia, via bichos, aranhas, gritava, fugia, quebrara a porta achando que a casa estava pegando fogo... E foi ficando perigoso.

Nossa saída, quando não conseguimos mais proporcionar uma vida segura e tranquila a ela, foi o asilo. Não poderíamos deixar nossos trabalhos, tinha um pai que também era doente, embora não aparentasse nunca. E foi o que decidimos em família.

Enfrentamos o julgamento de muita gente, que afetou principalmente minha mãe, que é uma pessoa muito boa e correta... Mas a mim, nunca chegou, porque vieram de pessoas que nunca conviveram, que sequer nos visitaram e nada sabiam da realidade, do dia-a-dia. É como se elas não existissem, portanto, não fizeram nenhuma diferença nesse espetáculo chamado nossa vida, e nessa particularidade chamada nossa família.

Termino a postagem com um poeminha que fiz na época, tentando me passar pela Bilia, encontrando explicações... É bonitinho e pertinente, por isso resolvi compartilhar.
Eu já escrevi bastante, arrisquei-me nas poesias, hoje meu foco é o Blog.

Alzheimer?

Brinco de esquecer
Me chamam Louca
É uma forma de viver
Relembrar o passado
Tentar esquecer o presente
E não sofrer

Troco os nomes
Eles acham graça
Parece que fiquei divertida
Eu que sempre fui chamada
De chata e intrometida.

Dou risada de tudo
Ninguém compreende
Brinco de boneca
Imagino bichos de todos os tipos
Fujo como adolescente
Corro e sinto a liberdade
Mas também grito de tanta saudade

Meu filho, não reconheço
É uma forma de brincar
Faço que esqueço
Apenas para começarmos novamente
Apagando as brigas e mágoas passadas.
Mas ele não entende o meu presente.

Deixo minha loucura que não foi compreendida
Falo cada vez menos e observo ainda mais
Ouço uma voz de longe pela qual me encanto
Preparo-me para deixar aqui minha despedida
Uma vida da qual não esquecerei jamais
Mas chegou a hora de encontrar meu canto
Meu velho me chama, é hora de voar.

19/01/11


Repito que vale a pena conhecer a vovó Nilva e refletir sobre essa doença e sobre as atitudes das pessoas que lidam direta ou indiretamente com ela.

MINHA SELEÇÃO DE TRECHOS...

"Mas, como todos sabemos, a vida não nos permite luto, forçando-nos a crescer dentro das dificuldades."

"Esquecer é mesmo um benefício para poucos."

"Viajou, carregando nas contas apenas o compromisso de se divertir."

"Se de alguma forma somos obrigados a lidar com a vida e aprender com ela, em algum momento seremos obrigados a lidar com a morte."

"A realidade me confrontou mostrando que eu não preciso estar pronto para que a vida aconteça, basta estar vivo para ter que lidar com isso."

"Não seria para sempre, mas pelo tempo que fosse, estaríamos ali."

"Uma coisa nunca será transformada: o olhar!"

"Todos somos passíveis de erros, e, acredite, todos vamos errar. Mas tão importante quanto levantar-se de um erro é fazer isso com a intenção de não mais cair."

"Tu vais na frente, mas eu vou encontrá-la um dia, pode ter certeza! Agora dorme que a viagem é longa e cansa muito!"

"Ela não havia desistido de lutar nem por um segundo sequer, uma guerreira até o fim! Mas até mesmo guerreiros descansam."

"A resposta para superar a morte não está na morte, isso seria muito óbvio. Está na vida."

"A saudade é o símbolo do que nunca será perdido."

"Onde há vida há sempre algum grau de sensibilidade, por menor que pareça."

Para a próxima postagem, 
tenho uma delícia de livro!



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