Páginas

quarta-feira, 16 de junho de 2021

A Amiga Genial - Elena Ferrante

Gosto de contar a origem do livro na minha vida. Este, por exemplo, ganhei de uma professora que trabalha comigo, assim, sem motivo algum. Perguntou se eu conhecia e então me desafiou a ler e, depois, dizer o que achei da obra. Que delícia ganhar um livro de presente, é como ganhar uma viagem sem saber ao certo para onde vamos e com quem. Obrigada, Priscila Gomes! Aqui vai minha resenha.



Ao ler o título, pensamos em uma grande história de amizade, mas se trata de uma amizade de migalhas, que ora se arrasta pelo enredo, ora é rastejada. Uma amizade que desafia, faz correr perigo, que se atreve, que incomoda, que não dá paz. Mas o que essas meninas conhecem sobre isso, uma vez que estão inseridas em um ambiente tão sombrio, repleto de brigas, discussões e violência em que não são, em hipótese alguma, poupadas?!

"Nosso mundo era assim, cheio de palavras que matavam (...) Atribuo os medos inumeráveis que me acompanharam por toda a vida a esses vocábulos e àqueles anos."

"A vida era assim e ponto final, crescíamos com a obrigação de torná-la difícil aos outros antes que os outros a tornassem difícil para nós."

A história começa com o irmão de Lila, Rino, procurando por Lenu em busca de pistas da irmã que sumira. Tal fato não é retomado neste livro, e, como se trata de uma tetralogia, deve ficar para o próximo. Com essa deixa, passaremos a saber como tudo começou entre as meninas, como foi a infância e a juventude.

Vejam como a amizade despertou:

"Algo me convenceu, então, de que se eu caminhasse sempre atrás dela, seguindo sua marcha, o passo de minha mãe por fim deixaria de me ameaçar. Decidi que deveria regular-me de acordo com aquela menina e nunca perdê-la de vista."

Temos a impressão de que tudo que Lenu faz, pensa ou age é pensando em Lila, até mesmo a dedicação aos estudos, como se ela tivesse que se esforçar sempre para ser notada, a fim de mostrar que era capaz, que poderia acompanhá-la e que estava à altura daquela amizade. Enquanto isso, Lila segue sua vida cheia de si, de independência, coragem e valentia. Carrega o sonho de fabricar sapato, o qual é visto com olhares ambiciosos pelo irmão e com desprezo pelo pai que rejeita qualquer possibilidade de inovação.


"Estar perto dela significava permanecer em seu mundo, tornar-me semelhante a ela em tudo."

A amiga genial permite algumas interpretações: que é um gênio e nos faz pensar em Lila ou Lina (como os demais a chamavam), pois se mostra uma autodidata, sábia e esperta na mais tenra idade; que segue com os estudos, esforça-se para se tornar um gênio ou genial (Lenu); como sinônimo de fantástica, única, que nos remete também à Lenu a qual permanece ao lado dela até o final, e é responsável por nutrir a amizade de fato.

Gosto de encontrar trechos que indicam referências ao título e possíveis explicações.

"Qualquer coisa que aconteça, continue estudando."
(...)
"Não termine nunca."
"Obrigada, mas a certa altura a escola termina."
"Não para você: você é minha amiga genial, precisa se tornar a melhor de todos, homens e mulheres"
(Página 312)

Lenu tem os estudos, e parece não ter conseguido nada de concreto, como se não tivesse o que fazer com tanto conhecimento, nem lugar para aplicá-lo, nem pessoa com que pudesse conversar. Ela amplia seu horizonte, mas não consegue ver, com seus olhos tomados por um sentimento de inferioridade, além das portas da oficina onde a amiga passava o dia.

Lila segue sua vida, torna-se bonita sem qualquer esforço e vaidade, chama a atenção dos jovens sem desejar, e vê seus sonhos pendurados na parede, como se tivesse conseguido concretizá-lo, mas, para isso, conta com a ajuda de um pretendente endinheirado. Temos a sensação de que Lila entrega os pontos a fim de sair da situação miserável em que vivia e estava condenada. Justo ela que era tão dona de si, independente, corajosa e destemida diz sim a um homem que se tornará seu marido e, de certa forma, seu dono.
Ao acompanharmos tal atitude, temos a sensação de que ela tem uma carta na manga, que não se entregaria se não tivesse um plano perfeito em mente, mas, talvez, a carta na manga tenha passado para as mãos de seu marido Stefano, ao olharmos junto dela intrigados, para não dizer, como ela, traídos, a sola do sapato de Marcello Solara. Por quê? Qual a ligação de Marcello Solara, de quem Lila tem tem asco, com Stefano? 
Mais um motivo para ler o próximo volume.

(Como soube que há uma série com base no livro, resolvi ilustrar a postagem com algumas cenas.)

Devo dizer que o clima de mistério vai além do enredo e toma conta de Elena Ferrante, que se trata de um pseudônimo de uma escritora italiana. Quer mais? Leia mais. Leia sempre.

SELEÇÃO DE TRECHOS...

"Aprenda a viver por sua própria conta."

"Agora ele ia embora feito um passarinho."

"Para cada coisa que nos acontecia tínhamos uma risada."


"Como manda o figurino."
(Falas do vô Tato)

"Quando não se sabe resolver um problema, não se diz o problema está errado; se diz: eu não sou capaz de resolvê-lo."
(Lembro de um aluno que dizia que ele não errava, mas eu que deveria estar enganada... Diego Tecchio)

"Eu tinha uma vaga memória azulada do mar."

"Queria que ela ficasse curiosa, que desejasse participar ao menos um pouquinho daquela minha aventura, de fora, que sentisse que estava perdendo alguma coisa minha, assim como eu sempre temia perder muito dela."


"Não há gestos, palavras, suspiros que não contenham a soma de todos os crimes que os seres humanos cometeram e cometem."

"Se não há amor, não só a vida das pessoas se torna árida, mas também a das cidades."

"Topei sobre minha cabeça com um céu tremendo, carregado de estrelas."

"Pensei nas conversas que tive com eles durante o verão e de repente senti aquilo como uma verdadeira escola, mais verdadeira do que aquela que eu frequentava todos os dias."

"Ele tem um olhar sempre disponível."

"Antes mesmo de ser tomada pelo conteúdo, me espantou que a escrita trouxesse a voz de Lila. (...) Eu lia e, ao mesmo tempo, podia vê-la, escutá-la."

"A avenida cheia de tráfego e de poeira me deram a impressão de uma foto mal impressa, como aquelas dos jornais."

"E mesmo continuando a morar, eu e ela, no mesmo bairro, mesmo tendo tido a mesma infância, mesmo vivendo ambas nossos dezesseis anos, tínhamos subitamente ido parar em dois mundos diversos."


"Como tudo é suave, quando o dia está bonito e todas as coisas boas parecem estar esperando só por você."

"Erramos em tudo mais uma vez."

"Não foi dali que chegaram golpes capazes de abrir rachaduras."

"Muitos romances de cavalaria ruins fazem um dom Quixote; mas nós, com todo o respeito a dom Quixote, não temos necessidade, aqui, de nos bater contra moinhos de vento, seria só um desperdício de coragem: precisamos de pessoas que saibam como os moinhos funcionam e que os façam funcionar."

Até a próxima postagem.
Um pouco chateada por ter
perdido a primeira postagem
sobre o livro, cujo texto eu tinha 
adorado. Recuperei a ideia, mas 
não a exatidão com que expus.
Assim são as tecnologias...
Um caso de amor e ódio.
E vem aí mais um livro presente

Nenhum comentário:

Postar um comentário