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domingo, 2 de dezembro de 2012

Apaixonados da vida inteira...

Há dois capítulos no livro de Rubem Alves, Pimentas, que merecem destaque:


- A minha benção

- Amor de velhice

Coincidentemente ou não, estão na sequência e relacioná-los me parece uma boa ideia.

Rubem Alves conta uma história de amor da década de 1930, em que o homem deveria cortejar a mulher, dar os primeiros passos para que ela não ficasse mal falada. Havia um distanciamento grande, só se viam de longe, e, mesmo assim, eles se apaixonaram. 

Ela precisou ir para São Paulo, em decorrência da morte de sua irmã que deixara três filhos. Tomou gosto pelas crianças, e também pelo cunhado, o qual a pediu em casamento. Só então foi revelado o amor que sentira por outro homem. A condição era que a aceitasse, apesar da verdade dita depois de tanto tempo calada.

Casaram-se, tiveram outros filhos e viveram a opção que tinham feito. Felizes? Não acredito.
Felicidade é amor. Amar.
Talvez tivessem tido uma convivência satisfatória, afinal cada um carregava sua perda, respeitavam   e aceitavam esse espaço do outro.
Deviam achar que poderiam juntar os pedaços do coração de cada um formando um só, mas essa soma não é tão simples assim.... "Você leva o que restou de você, eu levo o que restou de mim", mas não há encaixe entre as partes.
É como se fosse realmente um quebra-cabeça. Achar a peça que forme a imagem perfeita, que não sobre espaço e não falte. Amor exige espera, paciência, cuidado, observação, escolha. E depois que você encontra essa peça, não adianta substitui-la. A imagem será outra... Talvez melhor, talvez pior, mas jamais perfeita. 

Amar é ter aquela certeza, sensação que nos faz dizer: É isso! É tudo o que eu quero para mim!

O fato é que, depois de muito tempo, ela recebe um telefonema da filha do antigo amor. Velho e doente, ele queria vê-la. E o desfecho eu o transcrevo para não perder tamanha beleza...

"Para sua surpresa, o marido imediatamente se levantou, vestiu o paletó e disse: Vamos!

Seguiram para o hospital. O marido a deixou na porta do quarto, avisando-a que a esperava no saguão.

Tiveram então, os dois, a primeira longa conversa de suas vidas. Ele confessou que a havia amado a vida inteira e que só a proximidade da morte lhe dera a coragem de se aproximar.

Não se sabe o que se passou nem o que sentiram quando se viram velhos e amados um pelo outro - certamente seguraram-se as mãos - a vida inteira. Os apaixonados de vida inteira voltaram a se ver foram se vendo até ele morreu, algumas semanas mais tarde, sorrindo por se sentir amado."


Não gosto de pensar nessa espera tão dolorida que viveram, nas escolhas feitas, ignorando o que o coração sentia. A falta de coragem, de ousadia.... Mas fico feliz por viver em uma era moderna, onde tudo pode acontecer. 

Gosto dessa liberdade de procurar pela peça do quebra-cabeça, de não ter que ficar em casa esperando, de buscar, lutar pela imagem perfeita, nem que o preço seja alto. Se é amor, eu pago!

E no capítulo seguinte, uma letra de música de Chico Buarque me parece ser parecida com a história do nosso velho, contando, no fim da vida, do amor:


"Então eu lhe pergunto pelo amor ..
Ele me é franco, 
Mostra um verso manco
 De um caderno em branco 
Que já se fechou. "

E explico a grandiosidade dessa letra, desse poema maravilhoso e triste com um trecho de Rubem Alves:


"Há uma diferença entre as palavras que os jovens dizem e as palavras que os velhos dizem. As palavras dos jovens anunciam um horizonte, um desejo, um sonho, o início de uma viagem. As palavras que os velhos dizem, eles as dizem olhando para trás, fim de viagem, preparando-se para
atracar o barco."


O Velho 

O velho sem conselhos 
De joelhos 
De partida 
Carrega com certeza 
Todo o peso 
Da sua vida. 
Então eu lhe pergunto pelo amor. 
A vida inteira, diz que se guardou 
Do carnaval, da brincadeira 
Que ele não brincou. 
Me diga agora 
O que é que eu digo ao povo 
O que é que tem de novo 
Pra deixar... 
Nada. 
Só a caminhada 
Longa, pra nenhum lugar... 


O velho de partida 
Deixa a vida 
Sem saudades, 
Sem dívida, sem saldo,
Sem rival 
Ou amizade. 
Então eu lhe pergunto pelo amor... 
Ele me diz que sempre se escondeu,
Não se comprometeu 
Nem nunca se entregou... 
E diga agora 
O que é que eu digo ao povo 
O que é que tem de novo 
Pra deixar... 
Nada. 
E eu vejo a triste estrada
 Onde um dia eu vou parar. 

O velho vai-se agora, 
Vai-se embora 
Sem bagagem. 
Não sabe pra que veio,
Foi passeio,
Foi passagem. 
Então eu lhe pergunto pelo amor ..
Ele me é franco, 
Mostra um verso manco
 De um caderno em branco 
Que já se fechou. 
Me diga agora 
O que é que eu digo ao povo, 
O que é que tem de novo 
Pra deixar... 
Não. 
Foi tudo escrito em vão 
E eu lhe peço perdão 
Mas não vou lastimar 
Não, não vou lastimar... 



Chegar a velhice e pensar que "tudo foi escrito em vão" não deve ser uma experiência agradável, não desejo a você, não desejo para mim... Quero viver um amor história, em que essa vida seja apenas parte de muitas outras que seguiremos juntos!
Acho que essas passagens eram dignas de postagem e reflexão. 



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